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Monday, March 24, 2025
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Xterra 50km – Ilhabela

Xterra 50km – Ilhabela

Lá estava eu, 8 da noite na estrada de castelhanos, ciente da mata que me cercava, mas enxergando só o feixe de luz da lanterna, sem forças para correr, tendo como única opção naquele momento caminhar, não passar frio, e encarar os quase 20km que ainda faltavam, carregando o cansaço de já ter feito 30km. Não era meu melhor dia para fazer aquela prova, senti isso desde o início onde meus parâmetros aceitáveis para um início de prova estavam descontrolados, batimentos altos, sensação de desconforto, mas até então acreditava que aquilo ia passar, como acontece em toda prova longa onde é comum passar por altos e baixos, mas naquele dia foi diferente, não passou!

Chegamos em Ilhabela no dia anterior, Ilhabela é um dos lugares deste Brasil que dispensa apresentações e é capaz de receber um multievento como o Xterra, que no mesmo fim de semana, realiza um triathlon fora de estrada, natação e corridas de várias distâncias, de 9 a 80km, escolhi participar dos 50km. Me sentia bem, havia feito os treinos longos da preparação e descansado bem nas semanas anteriores, ou seja, estava dentro do planejado para uma prova de distância respeitosa como essa. Fiz as refeições que antecedem a prova também como o planejado, basicamente carboidratos, deitei um pouco após o almoço e em seguida comecei a me arrumar, pois a largada seria as 16 horas. Esparadrapo e vaselina nos pés, 2 pares de meia, água na mochila de hidratação, suplementação, sal, kit de primeiros socorros, bandana, lanterna de cabeça, óculos e tudo pronto, escrevendo parece fácil demais. Éramos cento e poucos atletas, percorremos os primeiros 10km praticamente a beira mar, com sol, calor ameno e brisa forte que agitava as águas por onde os nadadores haviam acabado de passar. Costumo começar grandes desafios de forma bem controlada e devagar para que os batimentos subam aos poucos até a hora que começo a fazer força de verdade, mas nesse dia, mesmo bem devagar o coração já estava acelerado, continuei devagar imaginando que ainda estivesse fazendo a digestão do almoço, pois o prato foi bem servido, e que mais adiante poderia correr normalmente. Lá pelo km 12 ainda em ritmo lento, começava uma subida constante de aproximadamente 11km até 700m de altitude para depois descer os mesmos 700m só que dessa vez mais acentuados, em apenas 7km até a praia de castelhanos em noite de lua cheia. Comecei a usar a lanterna com pouco mais de 1h30 de prova, pois nem sempre era por estrada de terra, as vezes entrávamos em trilhas mais fechadas e a luminosidade reduzia bastante, segui no ritmo que era capaz e no topo da subida havia um, dos 3 postos de hidratação, mas como ainda tinha muita água, resolvi pegar apenas um punhado de uvas passas e seguir, fiz a descida com cautela, pois já que não podia ir forte, queria ao menos manter a regularidade para retornar no mesmo ritmo e com pernas, incentivar os corredores dos 80km que vinham na direção contrária me fazia sentir bem, e nessa altura pensava que o desconforto do início era resultado de uma digestão ainda em andamento, mas enfim, comecei a ouvir o barulho do mar e ao pisar na areia o visual era incrível, a lua cheia iluminava o céu, as nuvens, os morros, o mar, a areia e dava um tom escuro e diferente pra cada um deles, apaguei minha lanterna e segui as tochas por quase 1km, alguns garotos locais orientavam e conversavam com os corredores, o que me acompanhou, não tinha mais que 6 anos e me explicou o caminho com detalhes e animado como seu eu fosse o primeiro.

Na praia, o segundo ponto de hidratação, dessa vez peguei água e uma banana, já havia cruzado a ilha de oeste a leste, agora era hora de voltar, subir 7km ingrimes e descer os 11km até chegar na praia de perequê novamente. O caminho era bem sinalizado por fitas e onde poderia causar dúvida sempre havia pessoas da organização para orientar, mas depois de ter comido a banana, além do cansaço acumulado comecei a sentir peso no estômago, não imaginei que isso pudesse acontecer porque corria devagar, mas aconteceu, voltei a lidar com mais um momento de desânimo, a subida não terminava, as pessoas que estavam no mesmo ritmo que eu, agora me ultrapassavam, sinal de que o que era lento estava mais lento, e a escuridão deixava tudo mais intenso, não tinha mais o que fazer a não ser continuar, a opção da desistência existia, bastava esperar, mas não me passava pela cabeça, estava lá para participar, e quem resolve correr 50km sabe que não vai ser fácil, então mesmo que mais lento eu estava na prova, intercalei muitas caminhadas com corrida leve até o último ponto de hidratação no topo da subida, passei direto, sabia que o que eu tinha dava para a descida, passei a correr constantemente apesar de ainda ter que caminhar algumas vezes, mas a mente voltou ao estado normal e conseguia prestar atenção no ruído dos animais da noite, pude ouvir corujas e outros ruídos que não sei do que era, mas certamente o intruso ali era eu, continuei, terminada a descida corri por alguns quilômetros pelo bairro até chegar na praia, a mesma praia a qual havia começado a correr quase 7 horas atrás. Que foi tempo suficiente para aprender muita coisa e ainda chegar com sorriso no rosto.

A chuva teria deixado o percurso mais difícil, mas mesmo assim não é tão técnico e nem perigoso, porém pequenos detalhes que, na minha opinião, fizeram a organização parecer menos séria, como horário das largadas que foi alterado 2 vezes na semana da prova, sendo uma delas durante o simpósio técnico, faltando 13 horas para a largada, por um motivo detectado no ano anterior e também ter mais agilidade para retirada do kit. São pequenos detalhes que podem dar mais credibilidade, pois o evento é muito bom. Se quiser deixar um comentário para os próximos leitores será bem vindo.

Enzo Amato.