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Clínica com as feras da corrida de montanha.
Já se imaginou nadando com Cielo ou batendo uma bolinha com Neymar? Pra quem gosta de correr foi assim.

Carlos Magno, o mais alto, Manu Vilaseca, eu, Fernanda Maciel, e Marcelo Sinoca – (Foto: Marcelo Fim)
A clínica com os corredores(as) de montanha da marca The North Face aconteceu em Cotia, na grande SP.
Meu grande motivador para participar era poder conhecer de perto a Fernanda Maciel, 4ª colocada na famosa Ultra Trail Du Mont Blanc, de 168km, e quem sabe correr um pouco ao lado dela. Esse estopim acabou me dando o grande prazer de conhecer de perto outros atletas que entraram para minha restrita lista de atletas profissionais que admiro.
Eram 5 estações com temas diferentes onde cada atleta falou sobre um deles, éramos cerca de 40 pessoas divididas nessas 5 estações, o que acabou deixando a conversa bem mais pessoal com grupos pequenos que trocavam de estação a cada meia hora mais ou menos, comecei ouvindo a Manu Vilaseca falar sobre a parte mental de enfrentar essas provas longas, a Rosália Guarischi sobre a realidade de todos nós, inclusive a deles, de encontrar tempo para treinar e trabalhar, depois o Marcelo Sinoca sobre as minúcias de escolher bem os equipamentos adequados para as condições da prova que vai enfrentar, aí passei para o Carlos Magno que falou sobre estratégias de prova e finalmente a Fernanda Maciel que contou sobre a preparação dela para arrasar na UTMB 2014 encarando outras provas duras como treino.
Depois do café da manhã, e dessa parte teórica, encaramos a trilha com os atletas que deram dicas valiosas tanto para corredores experientes quanto para iniciantes, desde travar o abdômen nas descidas até como usar os bastões com agilidade nas subidas, então passamos para o almoço e mais momentos de interação com todos, inclusive fotos.
Como treinador o que pude aprender ouvindo cada um deles é que mesmo os atletas que brigam pelos primeiros lugares passam por altos e baixos motivacionais durante as corridas e que além da capacidade de correr mais rápido que a gente, eles também desenvolvem uma força mental muito grande para continuar. Pude também perceber no discurso de todos eles que o prazer de correr vem em primeiro lugar, seguido da capacidade de treinar e da força mental para contornar as dificuldades, é um processo evolutivo que podemos associar ou comparar com qualquer esfera da nossa vida, tanto na pessoal e profissional, quanto na esportiva.
Outros detalhes pessoais citados por eles servem para nos ensinar que a essência está em adaptar tudo para a nossa realidade a partir da prática, ou seja, não é necessário correr sem meias como o Carlos Magno, ou de short em provas com temperaturas negativas como o Sinoca, mas sim descobrir o que funciona para cada um de nós através da prática, dos erros e acertos, para que tudo culmine no prazer de se desafiar e nunca parar de explorar. Depois de mais de 18 anos de corrida pude aprender um pouco mais com eles, pena que estava tão embasbacado por estar tão perto deles que as perguntas que eu tinha na cabeça sumiram, mas me conforta lembrar de um professor que dizia que quando saímos de um curso com mais perguntas do que quando entramos é porque aprendemos algo.
Espero poder encontrá-los mais vezes antes da próxima clínica.
Enzo Amato
Cada IRON uma história!
Pelo nosso psicólogo Rafa Dutra.
Nunca nadei 3,8km, nem pedalei 180km, muito menos corri uma maratona. No entanto, esse foi o meu terceiro IRON! O que faz com que, mesmo com as minhas provinhas de apenas de 10k, eu me sinta a vontade para falar sobre uma prova da grandeza de um IRONMAN com seus 226km de distância!
Desde 2010 faço a preparação psicológica de atletas amadores que se desafiam nessa que é uma das provas de maior respeito no mundo esportivo! Em 2012, pela primeira vez, estávamos em uma equipe com 10 atletas que precisaram ser divididos em dois grupos e que mais uma vez deram um show de disciplina, dedicação, foco e amor ao esporte (ingredientes que com certeza faltarão em muitos atletas que estarão em Londres 2012).
Dez atletas se colocaram nesse desafio desde 2011 quando conseguiram fazer a inscrição para o IRONMAN BRASIL 2012, o que por si só já gera muita adrenalina, pois em questão de minutos as inscrições acabam.
Em janeiro fizemos nosso primeiro encontro para apresentar a proposta da preparação com a equipe multidisciplinar e os treinos começaram! Sempre digo e não canso de repetir que para mim a melhor frase que fala sobre o IRON é aquela que diz que “mais difícil que chegar na linha de chegada, é chegar na linha de largada”, e em janeiro começou a etapa mais difícil dessa brincadeira de gente grande com “mania de grandeza” (rs).
Tive o prazer de reencontrar atletas que acompanho desde 2010 e de conhecer novos ironmans que estavam debutando na prova ou fazendo o acompanhamento pela primeira vez com nossa equipe, e foi um trabalho que mais uma vez valeu a pena.
Dos dez que iniciaram o desafio, nove chegaram na linha de largada (e de chegada), um infelizmente ficou no caminho, por problemas de saúde de sua filhona, o Clodoaldo optou por abandonar a prova há um mês da competição, mesmo com todos dizendo que ele estava preparado para voar na prova e que precisaria apenas manter com alguns treininhos. Essa decisão fez meu respeito ser ainda maior por ele, e faz dele muito mais IRON que muitos “irons” que cruzaram o pórtico no dia 27 de maio de 2012.

Em turma grande sempre tem um que se perde na hora da foto, nessa faltou o Witney. Na esq. Otavio, Gustavo, Marchi, Rafa Durta de branco, Edu, Rafael, Léo, Silvio e Enzo.
Dos velhos da casa, Enzo foi para o seu sétimo IRON, prometendo a sua despedida tupiniquim e tendo que lidar com o fantasma dos problemas estomacais em suas últimas duas provas, buscando novas motivações na única prova que fez repetidas vezes até hoje. Edu Coimbra, ou simplesmente o Du, que mais uma vez deu um show de dedicação e organização e chegou com uma preparação física impecável para receber o beijo surpresa do pai momentos antes do sol nascer e cair nas águas de Jurerê Internacional.
Witney, que continua sendo o herói do Hiro, na Winnie e da Heidi, foi um herói se disponibilizando a fazer toda nossa preparação acompanhando os encontros apenas no viva-voz do telefone e mais uma vez mostrando o quanto ser metódico e disciplinado pode fazer diferença numa prova em que os detalhes são a grande diferença, e o Otávio, o grande e calmo Tatá, que do seu jeito “tranquilão” mais uma vez pôde aprender a superar seus limites com a cabeça e com a força de uma receita mágica que é a mistura de amor e saudade, o que fez com que com seu jeito despretensioso cravasse a melhor marca da Equipe do Amato no IM 2012.
Os estreantes também fizeram valer o título de IRONMAN! Silvio, estreando na nossa equipe, mas indo para o seu segundo IRON, pôde sentir a diferença de fazer dessa prova uma experiência de vida maior que o autodesafio, e aos poucos foi se revelando em nossos encontros mostrando um lado que a primeira impressão não demonstrava! Gustavo, ou apenas Gus, com seu jeito quieto e aparentemente mais sério foi o corajoso que deu o pontapé inicial no sentido de confiar no grupo e mostrar suas fragilidades, tendo umas das chegadas mais emocionantes com sua torcida organizada de familiares e amigos que com certeza ficará marcada para sempre.
Marchi, que ninguém sabe quem seria o Edson, trouxe todo seu espírito de menino aventureiro para nossa equipe, sem desrespeitar o IRON pode nos ensinar que a vida está aí para ser vivida, e que o IRON precisa ser divertido também. Nessa também embarcou o Rafa, marinheiro de primeira viagem no mundo do triathlon, saindo das primeiras passadas com tênis de skatista para fazer uma prova emocionante, nadando com sua roupa de surfista e pedalando sem velocímetro, nos ensinou que a medalha do IRON pode servir de “calço para a mesa”, mas que a experiência do IRON é algo do qual ele jamais vai se esquecer.
E por fim o Léo, um dos nossos maiores exemplos de superação e de lição de vida no sentido de que a transformação é possível, um dos atletas mais focados da equipe que estava respirando IRONMAN desde 2011 quando se encantou ao assistir a prova. Foi mais um ano em que pudemos aprender muito uns com os outros, e com essa prova, que a cada ano ganha novos adeptos.
Como já não era novidade para muitos de nós, esse ano a questão do tempo se fez muito presente em nossos encontros, e mais uma vez pudemos aprender com esse desafio que, embora com o passar dos anos possa ficar menor, jamais será pequeno!
Os treinos estavam feitos, a alimentação estava ok, a preparação psicológica foi muito boa, e todos estavam muito bem para colocar as estimativas no papel e ir lá para viver mais uma vez (ou pela primeira vez) a experiência de superar um IRON e bater suas metas.
No entanto essa prova teima em mostrar sua grandeza que escapa das nossas planilhas e das nossas expectativas, sejam os detalhes que saem do script, seja o calor e o solzão de rachar, seja o vento, seja alguma reação física adversa, seja lá o que for, quando foi dada a largada às 7 horas da manhã, ninguém sabia o que vinha pela frente pelas próximas 10,11, 12, 13 ou 14 horas de prova.
Mas no final o saldo sempre é positivo, o sorriso no rosto, talvez um pouco frustrado pela expectativa que se tinha, mas o sorriso de “eu consegui” e os olhos brilhando diante do desafio vencido é algo que não se pode perder em uma prova como essa.
Todos falam do quanto o IM está se comercializando e aos poucos perdendo um pouco de sua grandeza, alguns podem reduzi-lo a uma marca que querem colocar no corpo ou no currículo, outros a uma passagem para o Havaí, mas espero que nossa equipe continue vendo essa prova como uma grande experiência de vida e de superação, a prova viva de que podemos ir muito mais longe depois de achar que não aguentaríamos mais.
Parabéns aos 10 IRONS de 2012, cada um tem sua história para contar, embora sejam histórias “anônimas” no meio de outras 2.000 histórias, são histórias que mais uma vez tive a honra e o prazer de acompanhar dos bastidores!
Que venha o IRON 2013, ou que venham outras provas que mantenham acesa essa chama que tanto encanta aqueles que participam ou acompanham essa grande prova!
Forte Abraço!
Rafa Dutra
Detalhes psicológicos para Ironman Brasil 2012
Quando falamos de estratégia para o Ironman podemos pensar em inúmeras formas de atuação, e se perguntarmos para 10 pessoas, certamente teremos 10 estratégias diferentes já que a prova é muito longa e todas as decisões que você tomar durante as várias horas do percurso podem interferir no resultado final tanto fisicamente como mentalmente.
Conforto e segurança:
Para ter os dois, provavelmente você vai abrir mão do desempenho máximo, vai perder um pouco mais de tempo nas transições, perder em aerodinâmica e até carregar algumas gramas a mais, mas todas essas “perdas” serão neutralizadas se tudo correr bem, enquanto que, arriscar uma transição mais rápida, deixando de calçar as meias ou passar vaselina, pode fazer você perder mais tempo do que imagina se uma bolha resolver te visitar.
Vestir uma camiseta de ciclismo manga longa caso esteja frio, vestir uma bermuda seca para pedalar e evitar assadura causada pela água do mar e atrito, levar o kit reparo ou pneu reserva… todas essas precauções te deixarão mais tranquilo no decorrer da prova e não vale a pena arriscar a prova que você se preparou por meses por causa de nano segundos.
Aproveite toda prova:
Numa prova de 100m existe estratégia, e muita coisa pode dar errado. Imagine numa prova de mais de 10 horas! Por isso certifique-se de tomar todas as precauções que você pode controlar, e tenha a mente aberta para saber se virar, e reprogramar sua prova, caso as incontroláveis apareçam no meio do caminho.
Sorria e agradeça os staff:
Tire o melhor das pessoas ao seu redor e isso te contagiará!
Ano passado nosso psicólogo Rafa Dutra, já no fim da nossa preparação psicológica de 2011, compilou as dicas mais significativas que cada integrante, do grupo daquele ano, trouxe à discussão e elas nos foram muito úteis durante a prova, por isso compartilho novamente com vocês leitores e atletas, que se dedicaram muito na parte física, mas que não podem deixar de treinar a psicológica também. Dicas psicológicas para o Ironman Brasil.
Essas dicas nos serviram para lembrar, e poder contar, as várias histórias e lições que aprendemos numa prova de Ironman. Espero que elas ajudem na sua história também!
Enzo Amato.
Psicologia e Corrida: As primeiras passadas!
A Corrida de Rua cresce em progressão geométrica! O número de praticantes, de provas, de revistas, de assessorias esportivas e de tudo que envolve esse universo, aumentou significativamente nos últimos anos.
Dentre todas as pessoas que vemos em cada prova, com certeza encontraremos diferentes tipos de praticantes. Desde aqueles que correm despreocupadamente, com amigos, pela curtição, passando pelos que estão sofrendo para conseguir aderir à atividade física por ordem médica, até os mais metódicos, cheios de assessórios e planilhas, disciplinados na superação de seus desafios e conquistas pessoais.
A própria Psicologia passa a fazer parte desse universo dos corredores amadores, o que antes era exclusividade dos atletas profissionais! E embora desconsiderada por muitos, a preparação psicológica, ou ao menos a atenção a este lado psicológico da corrida, é de extrema importância.
Para quem está começando a correr, acredito ser bacana começar desde cedo a dar atenção para este aspecto, afinal, ele interfere diretamente não apenas no seu desempenho, mas principalmente no prazer e na qualidade da atividade física, explorando todos os benefícios que a corrida pode trazer para a vida de cada um.
Defendo a tese de que praticar corrida pode ser um ótimo instrumento de autoconhecimento e autodesenvolvimento, e é sempre daí que partimos: do autoconhecimento. Para quem vai dar as primeiras passadas, convido a dar aquele mergulho em si mesmo, pensar em sua trajetória no mundo esportivo, nas coisas bacanas que a corrida pode trazer em sua vida, nos obstáculos que já são anunciados (e pensar como superá-los) e principalmente pensar no seu jeito de ser diante de novos projetos em sua vida, a chance de você fazer com a corrida o que faz com todo o resto é grande, e autoconhecimento é a base do sucesso para um iniciante.
A atividade física se torna um vício, e isso não é brincadeira, e lidar com isso de uma forma harmônica é indispensável. Mas até chegar nesse ponto, passar os primeiros meses e as primeiras provas, a automotivação e a disciplina são fundamentais. Muitos buscam como estratégia correr com amigos, outros preferem correr sozinhos, alguns colocam objetivos de distâncias e tempos, outros de viagens e provas em lugares diferentes, não importa, o importante é você saber o que pode fazer bem para você e investir nisso.
Não importa se você é um praticante despreocupado e quer curtição ou se você é um praticante disciplinado e metódico, o importante é que a corrida te faça bem, quem sabe ela ainda te ajuda a desenvolver novas habilidades e novas formas de ser!
Para quem vai dar as primeiras passadas, uma boa reflexão e aquela conversa de você com você mesmo é mais que bem-vinda. Se conhecer é o primeiro passo para começar suas primeiras passadas com o pé direito.
Boas passadas a todos, iniciantes ou não, afinal, tudo o que vivemos, em essência, é sempre inédito!
Forte Abraço,
Rafa Dutra
Psicólogo da Assessoria Esportiva Enzo Amato onde trabalha com corredores e triatletas amadores, colunista do MidiaSport e do Blog do Amato, e autor do Blog [Cada Prova], onde relata sua trajetória no universo da Corrida de Rua.
Ironman: um título ou um espírito?
Mais uma vez fiz a preparação psicológica da equipe da Assessoria Esportiva Enzo Amato (São Caetano do Sul – SP) para o Ironman Brasil, e como todo Iron, cada vez é uma história.
Em 2010 tudo era novo, já conhecia a prova, mas nunca havia vivenciado mais de perto e a preparação toda foi muito bacana, os resultados foram excelentes e em janeiro de 2011 nos reencontramos para começar a preparação para o IM desse ano.
O grupo cresceu, metade dos atletas já tinha feito a preparação comigo no ano passado e a outra metade participou desse processo pela primeira vez; desses, dois iriam estrear no IM esse ano!
No entanto quando fechamos o contrato de trabalho, um deles (Marcio) colocou uma condição em tom de brincadeira: eu teria de ir para Florianópolis acompanhá-los na prova esse ano.
Condição aceita! E embora todo o processo de preparação psicológica tenha sido muito rico e proveitoso, quero dedicar as próximas palavras dessa crônica a uma das maiores experiências que tive no universo esportivo até hoje: assistir uma prova de Ironman!
Meus seis atletas (Edu Coimbra, Marcio Bernardo, Enzo Amato, Otavio Lazzuri, Witney Moriyama e Clodoaldo Oliveira) estavam mais do que preparados, tanto fisicamente quanto psicologicamente, e eu sabia que se não fosse algo externo ou que independesse da ação direta deles, nada atrapalharia a grande festa!
Para mim o grande dia começou tão cedo quanto para os atletas, acordei às 4h e às 4h45 já estava saindo de casa para encontrar com o grupo antes da marcação dos números, 5h10 já estávamos todos por lá, o dia ainda era noite, o frio estava forte, o sono deixava tudo meio lento, as primeiras fotos começavam a ser tiradas e o clima da prova já estava se formando com a chegada de todos.
Depois que os atletas entraram para se vestir e dar aquela olhada final nos últimos detalhes de suas sacolas e das bikes, eu fiquei com os familiares (que também estavam sonados e cheios de expectativas) e então começou a se aproximar o horário da largada, quanto menos tempo falta, mais aumenta a ansiedade, a última foto antes da largada, a praia, o abraço, os agradecimentos e o desejo de uma boa prova. A partir dali era cada um por si.
O momento da largada merece um registro a parte, o clima que contagia a todos e o presente da natureza com o sol nascendo no meio das montanhas enquanto mais de 1.800 atletas davam suas braçadas nos primeiros metros dos 3,8km que iriam nadar. Esse momento, para mim, foi um dos mais marcantes e emocionantes de todo o dia.
A transição para a bike foi bacana, ver todos felizes e dentro do tempo previsto (até abaixo dele) já demonstrou o que o resto do dia prometia. Fiquei naquele corredor por 45 minutos e vi desde os primeiros a saírem até aqueles que completaram a natação para 1h40, e vi de tudo, desde os afobados que querem ganhar cada segundo na transição passando esbarrando pelos outros (e não estou falando dos primeiros), até os que caminhavam, cumprimentavam a galera, paravam para falar e beijar os amigos e familiares, realmente uma festa!
Escolhi ficar mais isolado, curtir a prova do meu jeito, observando, tentando ver aqueles detalhes que passam desapercebidos e com isso passei a maior parte do tempo sozinho (das 7h às 19h), em alguns momentos fiquei com a família Moriyama, mas tentei “degustar” cada cena bonita (ou não tanto) que essa prova pode proporcionar.
Então sozinho, fui ver o primeiro retorno da bike, os primeiros 90km estavam vencidos, faltavam mais 90km. Vi quase todos os meus atletas passarem, eles não me viram, mas eu sabia que estavam bem, e era como se a cada encontro com eles a minha expectativa quanto a prova de cada um fosse diminuindo e a certeza de que tudo daria certo aumentando!
Depois a chegada da bike, a vibração, a alegria das famílias, a satisfação dos atletas e a certeza de que o pior já havia passado. Quase todos dizem que na corrida se sentem mais seguros porque depende apenas deles, não existe as agitações do mar ou o medo de algo acontecer com a bike.
Fiz questão de me posicionar bem para a corrida, vi o início da maratona, logo que eles iniciavam a saída da área de transição, e pude ver o rosto determinado da maior parte dos atletas, alguns extremamente frustrados e falando em desistir, outros com uma postura já bastante cansada e ainda outros com aquele gás total e a felicidade estampada de que agora “só falta a maratona” (esse, felizmente, era o rosto dos meus atletas).
Depois vi cada um deles pegar as pulseiras, primeiro a volta dos 21km, depois mais 10,5km e era impressionante a quantidade de cenas bonitas que me foram proporcionadas, palavras de apoio, postura estampada de superação, pais, filhos, maridos, esposas, simplesmente fantástico!
Com 10h25 de prova fui para o pórtico, nosso melhor atleta chegaria para 10h30 e eu o tinha perdido de vista depois da primeira volta aos 21km da maratona, e ele simplesmente não chegou, fiquei preocupado e ansioso para saber o que havia acontecido, no entanto, dentro do previsto chegou o Marcio com 10h55, junto com sua esposa e o filhão ou filhona a caminho, pude imaginar a felicidade de ter mais uma vez completado e cravado o tempo desejado! Logo em seguida chegou o Edu Coimbra, que deu suas últimas passadas no IM 2011 sozinho e com o seu olhar hipnotizado e vibrando muito, expressando tudo aquilo que ele sempre falou sobre essa prova. Pouco depois, dando pirueta, acompanhado da esposa e com um grande e expressivo sorriso no rosto e baixando em muito seu tempo de 2009, o Clodoaldo.
Passaram alguns minutos e nosso primeiro debutante da noite chegou com 11h25. A felicidade do Otavio podia ser sentida, não sei como, mas ele nem parecia estar cansado e atravessou o pórtico com sua calma de sempre, acompanhado de sua namorada, sua mãe e sem dúvida alguma, de seu pai, embora eu já o considerasse, agora ele era oficialmente um Ironman. Um pouco depois veio o Enzo, acompanhado da namorada e da irmã, bastante tempo depois do programado, mas ainda assim sorrindo seu sorriso tímido e passando pela quinta vez por aquele pórtico, e por fim, nosso segundo debutante e apelidado de vô pelo grupo, o Witney, aos 46 anos completando seu primeiro Iron com 12h02 de prova, acompanhado de toda a família, o atleta, o marido, o pai, o genro, o herói do Hiro!
Nessas mais de 1h30 vi muitos atletas chegarem, vi diferentes comemorações e celebrações, me emocionei “n” vezes, inclusive com pessoas desconhecidas, o espírito do Iron é algo que efetivamente cativa! Foi sem dúvida uma grande festa!
Muitos podem criticar o Ironman, eu mesmo me considero uma pessoa crítica e consigo fazê-la sobre diferentes aspectos a respeito dessa prova, uma crítica social, política, econômica e até mesmo psicológica do Ironman, no entanto, tudo isso se desfaz ao estar ali, vivenciar e sentir aquele puro momento de expressão de uma das maiores qualidades de um ser humano: a capacidade de ir além…
Mas ainda assim nem tudo é tão bonito, vi cenas maravilhosas, mas também vi cenas dignas de não fazerem parte do vídeo da prova. Enquanto alguns davam aula de cordialidade e espírito esportivo, outros davam aula de grosseria e egoísmo, e essas cenas não tão belas me fizeram pensar sobre a diferença entre ter o espírito IM e ter o título IM.
Todos que cruzaram o pórtico, desde o argentino com 8h15 até o senhor (fenômeno) da Nova Zelândia com 75 anos que completou a prova com 16h55, possuem o título de Ironman. Mas essa prova pode ser tão grande e tão bela que faz com que exista também o espírito do Ironman. Nem todos que têm o título, têm o espírito, e nem todos que têm o espírito conseguiram conquistar o título, no entanto, não tenho dúvidas, pude fazer a preparação psicológica de seis atletas que tem o título e o espírito de um Ironman!
Parabéns ao Marcio, Edu, Clodoaldo, Otavio, Enzo e Witney! E obrigado Marcio pela condição imposta para fecharmos o trabalho em 2011, estar lá e assistir ao Ironman foi uma das maiores e melhores experiências que tive dentro do universo esportivo, mesmo com o sono, o frio, o sol, o cansaço e todo o resto, foi, como diria o Edu Virtual (outro Ironman que eu não poderia deixar de fazer uma referência): EXCELENTE!
Forte Abraço e até a próxima, se tudo der certo, em 2012 passarei mais um domingo como esse!
Rafa Dutra
Dicas “psicológicas” para o IRONMAN BRASIL 2011
Por Rafa Dutra*
Em abril não escrevi o texto para esta coluna do Blog do Amato, e como maio é especial para aqueles que se preparam nos últimos meses para esse grande desafio, essa coluna terá dois posts no mês do IRON.
O primeiro foi “Qual ansiedade é a sua?”, e espero que tenha os ajudado a aprender mais sobre esse tema e a trabalhar melhor a ansiedade para a prova, e esse segundo post é o relato de uma atividade que realizei com o grupo que estou preparando para a prova.
No dia 05/05 pedi para que cada um dos seis integrantes do grupo levasse dicas para o aspecto emocional da prova, seja experiências de ter feito o IM, outras provas ou coisas que leram e aprenderam para deixar a “cabeça boa” na hora da prova. E o que escrevo abaixo é o relato das dicas que eles deram, comentadas por mim:
- Confiança no treino realizado:
Saber que está preparado para os 226km de prova, que se preparou bem e que seu corpo conseguirá realizar a prova dentro do ritmo em que você treinou.
- Lembrar dos Treinos:
Uma planilha de treino para o IRONMAN é uma seqüência de desafios e conquistas, sair dos 70km para os 200km de bike, os treinos diferentes, os longões, os bons tempos nos treinos de velocidade, etc. Se preparar para a prova foi vencer semanalmente novos desafios que as planilhas apresentavam, lembrar disso e usar isso como elemento motivador e gerador de autoconfiança é fundamental.
- Disposição para replanejar:
Cada atleta fez uma programação, um planejamento (alguns mais ou menos detalhados) para a prova, a expectativa de tempo em cada modalidade, na transição, o ritmo para nadar, pedalar e correr, no entanto, embora deva-se buscar seguir esse planejado, a prova é muito longa e uma infinidade de adversidades podem acontecer, por isso é importantíssimo o atleta estar disponível a replanejar suas metas no meio da prova para ao invés de se desmotivar diante das adversidades conseguir recuperar a motivação e seguir buscando se superar.
- Curtir a Prova X Foco no Resultado:
Ter uma expectativa de resultado é importante! Compromisso e seriedade SIM, obrigação com o resultado NÃO. A obrigação fica para os atletas profissionais e patrocinados, os amadores fazem essa prova porque são apaixonados pelo triathlon e pelo desafio, fizeram um enorme investimento para essa prova (de tempo, financeiro, de sacrifícios, etc) e levam a prova com seriedade e compromisso, mas sem focar tanto no resultado e sim em curtir o GRANDE DIA pelo qual se prepararam por meses.
- Programação Mental para a prova
Fazer uma “programação mental” do que pretende viver/fazer na prova, vivenciar a prova antes dela acontecer, imaginando o que pretende fazer, e organizando todos os detalhes possíveis (alimentação, ritmo, transições, hidratação, etc) para evitar precisar tomar decisões na hora da prova, ter planejado tudo antes, deixar para na hora da prova tomar decisões apenas em relação aos imprevistos, isso se eles acontecerem (a chance de acontecer é grande).
- Palavras Motivadoras:
Pensar antes da prova em palavras que servirão como “motivadoras” na hora da dor, do cansaço, do desânimo e do momento em que se pergunta: O que estou fazendo aqui? Um de nossos atletas possui três palavras que ele repete para si mesmo diversas vezes: Eu posso! Eu consigo! Eu sou forte!
- Se divertir durante a prova:
Uma prova de mais de 10h é muito longa, muitas coisas acontecem, assim como muitas coisas aconteceram nos treinos de preparação. Prestar atenção nas coisas divertidas, leves e engraçadas que cercam esses momentos é indispensável, é possível se divertir com seriedade, levar o bom humor para a prova sem fazê-la de uma forma descompromissada ajuda, e por isso a diversão é ingrediente indispensável.
- Pensar em pessoas significativas:
Serão diversos momentos em que dará vontade de desistir de tudo, seja de dor, de cansaço, de pensar que ainda falta muito, etc. Uma prova dessa possui diversos momentos ruins, e lembrar e pensar em pessoas significativas que servem como motivadoras para seguir em frente e se superar é muito importante. Vale a pena parar e dar um beijo no filho, um abraço na esposa, fazer uma piadinha para o pai e deixar a mãe tranqüila (não estou cansado!rs), são minutos “perdidos” no tempo geral da prova (talvez dois ou três) mas que renovam e o acompanham por km e km!
- Lembrar do porquê está realizando essa prova:
Todos possuem um motivo para realizar um desafio desse tamanho, ainda mais como atleta amador, deixar esse(s) motivo(s) na ponta da língua e recorrer a eles durante a prova ajuda bastante.
- Lembrar do porque gosta de fazer o IRONMAN:
A sensação de EU SOU UM IRONMAN continua ao longo de todo o ano, mas são naquelas horas em que você está efetivamente vivenciando o momento do IRON, e pensar no que existe em todo esse universo que você gosta e que fez você escolher se lançar nesse desafio também é bastante motivador.
- Fazer um checklist para a prova (bem detalhado):
Conferir diversas vezes o checklist da prova é muito importante, assim evita esquecer algo, ou deixar alguma coisa no momento errado da prova, é uma prova de MUITOS detalhes, organizá-los previamente de cabeça “fresca” faz diferença, assim na prova é só seguir o programado tranquilamente, sem o estresse de ter esquecido algo ou ter feito ou deixado de fazer determinada coisa na hora certa!
- Desconcentrar do esforço e da dor no final (ou durante):
Essa prova exige muito esforço, o cansaço é muito intenso e as dores com certeza vão fazer parte da prova, em maior ou menor intensidade, por muito ou pouco tempo, e nesse momento difícil é importante não se concentrar nisso, procurar desfocar, pensar em outras coisas, prestar atenção no que acontece em volta, usar elementos motivadores, etc. Mas não ficar prestando atenção na dor e no cansaço, pois parece que quanto mais atenção damos as dores, mais elas doem, quanto mais atenção damos ao cansaço, mais ele nos pega!
- Cuidado com a comparação:
Existem diferentes atletas, cada um fez uma preparação diferente, cada um é mais forte em uma modalidade ou outra, e uma prova como o Ironman não permite “brincadeirinhas de competir” com outros atletas durante a prova, o preço pode ser muito alto. O foco tem que ser sempre interno, é você com você mesmo, a única comparação feita deve ser a comparação do que você está realizando na prova com o que você treinou, existem muitos atletas melhores do que você, existem atletas que nadam, pedalam ou correm melhor, e atletas que tomam decisões erradas e forçam em alguns momentos e depois “quebram” lá na frente, por isso, a sua competição é com você mesmo, em conseguir manter-se dentro daquilo que treinou, nem mais, nem menos, estar bem e forçar com 5 horas de prova, pode custar caro 3 ou 4 horas depois!
- Lidar bem com as ultrapassagens:
A lógica é a mesma do item interior, algumas pessoas preferem sair mais forte (seja nadando, pedalando ou correndo), outras são realmente melhores e possuem condição de fazer determinadas modalidades em ritmos mais fortes do que o seu, as pessoas vão te ultrapassar, e não importa quem seja, continue focado em você, no IRON VOCÊ é o seu ÚNICO adversário!
- Encarar a prova de uma forma progressiva:
Não usar a lógica do “FALTA” tanto, mas sim o do “JÁ FOI” tanto. Quando você faz a volta na bike e pensa falta 90km a sensação é uma, quando você faz a mesma volta e pensa já foram 90km a sensação é outra, puxe sempre as distâncias percorridas para te motivarem, e não as distâncias a percorrer, pois essas podem desmotivar bastante!
- Utilizar a alimentação como marcação do tempo:
Comer bem é determinante de uma boa prova, e utilizar a alimentação e a hidratação como marcadores de tempo também ajuda bastante, assim você não esquece de comer e se hidratar corretamente e ainda vai marcando a passagem do tempo.
- Buscar as pulseiras:
A prova é dividida em etapas, faça cada pulseira conquistada ser um “troféu”, a prova não acaba ali, mas busque as pulseiras, uma a uma, e vibre a conquista delas, é sinal de que você avançou mais um passo, esqueça o percurso total, foque-se na próxima pulseira a conquistar!
- Celebrar com as pessoas:
O Ironman pode ser um enorme sofrimento ou uma enorme festa, faça o seu ser uma festa, ainda que recheada de dor, cansaço e uma certa dose de sofrimento. Celebre com as pessoas que estão ao seu lado, cada um tem uma história, cada um tem suas motivações, o IM não é o mesmo para ninguém, mas todos ali são pessoas comuns como você que estão celebrando a saúde, o esporte, a superação e a paixão pelo triathlon , celebre com eles, o IRON só existe por conta de pessoas como você e eles que escolheram passar um domingo juntos fazendo uma prova de 226km!
- Comemorar cada etapa e cada meta vencida durante a prova:
Não guarde a comemoração para o final da maratona, divida a prova em várias etapas e celebre cada uma delas, a primeira volta no mar, a saída da natação, uma transição bem feita, os primeiros 90km na bike, o final da bike, mais uma boa transição, cada pulseira conquistada na maratona, além dos pequenos desafios como uma subida, uma boa média, etc. Comemore durante toda a prova, não guarde tudo para o final, e quando chegar no final, não deixe de fazer uma grande festa!
Gostaram das sugestões do Edu, Marcio, Enzo, Witney, Clodoaldo e Otavio? Espero que sim! Agora a minha grande dica é: foque 100% no PROCESSO e deixe o resultado (tempo) de lado, o resultado será conseqüência de uma prova bem realizada, não pense muito nele durante a prova, pense em como deixar cada um dos 226km percorridos da melhor maneira possível, no seu ritmo, com uma boa técnica, e principalmente com muita alegria e prazer, não existe o km mais importante, todos os 225km 995m são importantes!
Como bem disse o Otavio, estar nessa prova é estar em outro mundo, um mundo onde poucos já fizeram parte, você estará vivendo esse mundo, aproveite e dedique sua energia em aproveitar cada minuto de sua prova!
Espero que tenham gostado das dicas, e que elas possam ajudá-los a fazer um ótimo IM, e se você tem uma boa dica que não foi contemplada nesse post, faça a gentileza de compartilhar conosco, todos agradecem e ganham com isso!
E apenas uma ressalva, embora esteja falando sobre o IM, essas dicas servem para qualquer prova, seja os 5km ou o Ultraman! Meu próximo post será apenas pós-prova, estou certo de que voltarei de Floripa com ótimas recordações e que acompanharei seis provas muito boas!
Minha palavra final antes da prova? Divirtam-se!
*Rafa Dutra é psicólogo e tem como áreas de atuação a clínica, a educação e o esporte. É parceiro da Assessoria Esportiva Enzo Amato e faz a preparação psicológica da equipe “Blog do Amato” para o IRONMAN BRASIL 2011, é parte da equipe de psicólogos do “Espaço da Psicologia”, psicólogo da seleção brasileira de handebol juvenil, dos tenistas da WBT Team Competition e faz parte da atual diretoria da ABRAPESP – Associação Brasileira de Psicologia do Esporte.
Qual ansiedade é a sua?
Por Rafa Dutra*
A ansiedade é fiel companheira do modo de vida atual, muitas pessoas se autodenominam ansiosas, dizem que fazem isso ou aquilo devido à ansiedade, e muitas vezes a ansiedade é colocada como vilã, uma sensação que prejudica nosso cotidiano, seja no esporte, seja no trabalho, na família ou nos relacionamentos de forma geral.
No último encontro que tive com a equipe que está se preparando para o IRONMAN BRASIL 2011, um dos atletas disse: ”Rafa, aquela sensaçãozinha de ansiedade está aumentando, sempre que eu entro no site, vejo a contagem regressiva e percebo que a prova está chegando, a ansiedade aumenta”.
E eu pergunto a vocês leitores: Isso é ruim? Claro que não!
A palavra ansiedade vem do latim, significa ânsia e tem como significado aflição, angústia e desejo ardente. Ela pode chegar ao extremo de ser negativa e desencadear uma patologia, como os transtornos de pânico, fóbico-ansiosos, ansiedade generalizada e outros, o que sem dúvida alguma prejudica demais a vida da pessoa que precisa de um acompanhamento especializado e multidisciplinar para cuidar dessa questão.**
No entanto, quando pensamos a ansiedade de uma forma mais branda, ela ainda assim pode prejudicar; não a esse ponto de desencadear uma patologia, mas de comprometer o desempenho em determinada situação, prejudicar o processo de tomada de decisão e de concentração, desencadear sintomas físicos que prejudicam nossos afazeres, etc.
Quando falamos em ansiedade, falamos em ansiedade-traço (a pessoa que apresenta a ansiedade como traço de personalidade) e ansiedade-estado (a pessoa que vivencia determinada situação que gera um aumento de ansiedade). Além disso, dizemos que a ansiedade pode se manifestar de duas formas: ansiedade cognitiva (manifestada por sintomas psicológicos: preocupação, desconcentração, apreensão, entre outros) e ansiedade somática (manifestada por sintomas físicos: taquicardia, alteração na pressão arterial, sudorese, problemas gastrointestinais, tensão muscular, entre outros).
Mas como saber se o nível de ansiedade que estamos vivenciando é positivo ou negativo?
É mais simples do que parece, a ansiedade está atrelada ao futuro, quando sabemos que vamos enfrentar determinada situação e ficamos ansiosos por não saber qual será nosso desempenho. Isso todos sabem, o que muitos não sabem, ou nunca pararam para pensar é que existe uma correlação entre ansiedade e autoconfiança. Se a ansiedade está maior do que a autoconfiança, podemos caracterizá-la como uma ansiedade negativa, agora se a autoconfiança está maior, podemos afirmar que esta é uma ansiedade positiva!
Afinal, se estou ansioso diante de um evento futuro e minha autoconfiança está baixa eu penso que não conseguirei superar tal desafio, já se minha autoconfiança está alta, acredito que conseguirei ir bem quando a hora chegar!
Dessa forma, a melhor maneira de “diminuir” a ansiedade não é necessariamente trabalhando em cima da ansiedade e seus sintomas, mas principalmente trabalhando para aumentar a autoconfiança. E se a ansiedade está atrelada ao futuro, a autoconfiança está atrelada ao passado, aos treinos realizados, aos desafios vencidos, a história de conquistas e superações de cada atleta.
Com certeza todos ficarão ansiosos (até eu estou! rs…), daqui a pouco entramos em contagem regressiva de apenas um dígito (9,8,7,6,5,4,3,2,1 e o IRONMAN) e essa ansiedade faz parte e é indispensável para que os atletas tentem atingir seus níveis ótimos de ativação, mas vale se perguntar: Qual é a minha ansiedade? Ela está me ajudando ou me atrapalhando? E sem dúvida alguma, fugir um pouco do futuro e focar no passado, trabalhar para aumentar sua autoconfiança.
Quem vai fazer o IRONMAN no próximo dia 29, independente de ser o primeiro ou o décimo, já superou a etapa mais difícil, a preparação, e é justamente essa preparação bem feita e toda a trajetória de conquistas e realizações no esporte que os deixarão bastante autoconfiantes e prontos para fazer a ansiedade estar a favor.
Por fim, não se preocupem com o frio na barriga, sem ele essa prova não teria o menor sentido!
*Rafa Dutra é psicólogo e tem como áreas de atuação a clínica, a educação e o esporte. É parceiro da Assessoria Esportiva Enzo Amato e faz a preparação psicológica da equipe “Blog do Amato” para o IRONMAN BRASIL 2011, é parte da equipe de psicólogos do “Espaço da Psicologia”, psicólogo da seleção brasileira de handebol juvenil, dos tenistas da WBT Team Competition e faz parte da atual diretoria da ABRAPESP – Associação Brasileira de Psicologia do Esporte.
** Informações retiradas do capítulo “IDATE, Ansiedade e Esporte”, de Daniela Ferreira Durante da Silva e Renata Miranda Ianni; do livro “Instrumentos de Avaliação Psicologia em Psicologia do Esporte”, organizado por Luciana Ferreira Angelo e Katia Rubio, da Editora Casa do Psicólogo.
Homen de ferro e coração derretido.
Esta crônica foi escrita pelo amigo Edu Coimbra alguns dias depois de ter concluído seu primeiro Ironman ano passado.
Por: José Eduardo Osias Coimbra
No dia 26 de Maio de 2010, a Angela, o Lucca e a Laura partiram para o sul do País rumo ao sonho do Papai, eu, Zé Eduardo, um atleta amador de 42 anos que iniciou no esporte aos 3 anos de idade. Durante todo o trajeto pensava na prova, no desafio, no sonho da linha de chegada. Em alguns momentos partia do banco traseiro do carro um gritinho: “Papai, você está me ouvindo? Estou falando com você!” Graaaande mancada, mais uma bronca.
Chegando em Floripa a ansiedade aumentou, a cidade respirava esporte com 36 países representados, havia mais bikes nas ruas do que carros… Fiquei morrendo de vontade de colocar minha roupa e sair para treinar, sabia que se fizesse um “quebra gelo”, um trotezinho meia boca, eu já me acalmaria. Mas não! Lembrei do meu técnico que me disse várias vezes: “Edu, o descanso é total nos três dias que antecedem a prova, você tem que acumular energia, não se impressione com o treinamento dos outros competidores etc, etc, etc”. Foi difícil, mas consegui ficar parado todos esses dias comendo basicamente macarrão, atum, queijo fresco, e geléia.
Chegou o grande dia. Consegui dormir até às 3 horas da matina, levantei e fui logo fazer a barba… queria sair bonito nas fotos, preparei minha alimentação pré-prova e mais alguns detalhes finais, e às 5 horas em ponto fui ao encontro do meu técnico e colegas. A cidade já estava muito movimentada, faróis de carros nos dois sentidos, agitação total.
Quando o local da largada foi se aproximando, meu coração ficou mais agitado. Iniciamos todo o ritual de troca de roupa e conferência dos últimos detalhes. Os alto-falantes anunciavam a contagem regressiva para a largada… fomos para a praia. Ainda estava escuro. Hino nacional e o anúncio da diretora da prova: “Senhores atletas, dentro de instantes será dada a largada do IRONMAN BRASIL 2010 e, conforme nosso contato com a natureza o Sol acaba de nascer no horizonte bem à nossa frente” Não me contive e fui às lágrimas, não acreditando que aquilo estava acontecendo. Pensei comigo: “Já vi esse filme por repetidas vezes, só que dessa eu estou fazendo parte” Nos abraçamos, amigos e treinador, e choramos. Rezei! Pedi proteção, força, sabedoria e inteligência na condução da minha prova.
Largada dada!!!!! Muita trombada, coices, tapas, etc. A impressão que dava era a de que não havia mar para tanta gente, os primeiros 20 minutos foram de paciência em buscar uma posição mais adequada e ritmo. Meu objetivo era terminar os 3800 metros de natação em 1h:20min. Tive bastante calma, economizei energia e quando sai da água e olhei para o relógio… 1h:09min. Pensei comigo: “Maravilha!!!!! Vamos para a bike! Transição feita, agora são 180km de pedal”.
Em cima da magrela passei 6 horas, pensei em tudo e todos. Ritmo encaixado, frequência cardíaca baixa, começo a cantar, isso mesmo, a cantar literalmente revendo todos os episódios que antecederam a prova. Logo na primeira grande subida comecei a chorar lembrando das pessoas, dos treinos, das grandes subidas pelas quais passei na fase de treinamento, e continuei cantando, chorando e subindo, subindo, subindo sem me cansar… Minhas pernas estavam muito fortes. No final da primeira volta de 90km mais emoção, logo na entrada da cidade estavam lá a Angela, o Lucca e a Laura acenando e gritando: “vai Papai, força!!!! ” Que emoção!!! Meus Pais, Tios, Primos, Irmão, Cunhada, sobrinho e amigos também.
Iniciei a segunda volta de 90km, sem dores e com o espírito renovado pois havia encontrado todos os meus familiares. Hora da concentração e de executar o planejamento que inicialmente previa uma bike um pouco mais forte na segunda metade, já que a primeira tinha como objetivo me dar mais confiança e conhecimento do percurso com seus perigos. Entretanto, nesse momento, mudei minha estratégia, resolvi manter a mesma cadência da primeira volta e terminar o pedal em 6 horas, ou 30km/h de média. Eu precisava economizar energia, nunca havia feito uma maratona após 180km de bike e 3,8km de natação, e fiquei com a convicção de que minha decisão me traria boas surpresas.
Outra transição, troca de roupas e vamos para a maratona, 42km! Lembrei do meu treinador: “Edu, comece devagar, ensinando seu corpo a se acostumar com a troca de modalidade”. E assim foi, 1km, 2km… 6km e eu já estava totalmente adaptado a corrida, não sentia dores, cansaço e meu ritmo estava encaixado de forma surpreendente. Minha confiança aumentava a cada metro e a amplitude das minhas passadas também. Minha velocidade aumentou, comecei a ultrapassar outros competidores, alguns já estavam sofrendo, andando e flexionando o tronco na direção dos joelhos já evidenciando algum cansaço. E eu seguia firme, naquela batidinha, me sentindo cada vez mais forte, tão forte, tão forte, que quando terminei a primeira volta de 21km aconteceu um dos momentos mais emocionantes da prova para mim, depois de beijar a minha Mãe, eu parei, abracei meu Pai demoradamente e chorando disse-lhe, entre outras coisas, ao pé do ouvido: ” PAI… ACABOU, EU SOU UM IRONMAN! “. Mesmo faltando mais duas voltas de 10,5km eu já tinha a certeza que o desafio estava vencido, tamanha era minha confiança, força, fé em Deus e principalmente alegria. Quando deixei a bike eu estava na colocação 959 ( havia exatos 1626 participantes), fiz a corrida e terminei a prova na posição 717. Ultrapassei 242 atletas só na maratona! Muito bacana!
Na última volta de 10,5km a emoção foi plena, chorei quase ela todinha, cumprimentei e agradeci ao público, a gentileza dos voluntários que trabalharam na organização do evento e segui rumo ao pórtico derradeiro.
Já era noite, clarão adiante, faltam 500m: “Cadê a Angela, o Lucca e a Laura, minhas vistas estavam embaçadas, o sacrifício maior foi deles, cadê, cadê, cadê?” Foi então que apareceu na minha frente meu filho Lucca gritando: “Papai, Papai, Papai!!!!” Noooooossssa! Entramos todos juntos na arena e nos abraçamos de joelhos após a linha final. Indescritível a emoção!
O Ironman me fez uma grande revelação, que na verdade acho que já estava no meu coração. Essa prova não foi feita para que os competidores busquem inconsequentemente seus tempos e metas como único fim, ela deve ser contemplada e degustada na mesma proporção em que é bela e mágica, não merecendo ser agredida com a dor e o sofrimento dos atletas.
Fundamentalmente estive lá com este propósito, celebrando a minha saúde e a oportunidade divina de tê-la, a minha paixão pelo esporte e o meu amor pela minha família e amigos. Esse Ironman, de forma muito intensa me possibilitou tudo isso e muito mais. NÓS VENCEMOS! E foi com esse espírito que terminei a prova. As pessoas olhavam para mim com a impressão de que eu ainda não havia passado sequer pela linha de largada.
Fechei meu primeiro Ironman em 11h42min, mas isso pouco me importa, aprendi que o mais importante é o atleta nutrir-se da energia que ele carrega, realizando e concluindo a prova de forma FELIZ.
José Eduardo Osias Coimbra
Treinar em grupo para uma modalidade individual?
Em março finalizamos a primeira etapa da preparação psicológica com a equipe “Blog do Amato” que irá fazer o IRONMAN 2011 e agora começaremos a trabalhar diferentes temas importantes do preparo mental da equipe para a prova. Nessa primeira etapa dois objetivos eram importantes: conhecer cada um dos atletas e auxiliar no processo de formação do grupo.
Muitos podem se questionar: “formação do grupo?”. Pois é, embora seja uma modalidade individual em que na prova e em grande parte dos treinos o atleta está sozinho, pertencer a um grupo faz toda diferença.
A título de curiosidade, um dos primeiros trabalhos publicados na história da Psicologia do Esporte foi em 1895 nos Estados Unidos, em que Triplett verificou que o rendimento de ciclistas que treinavam em grupo era maior que o rendimento dos ciclistas que treinavam sozinhos.
Para aqueles que já fazem parte do universo da corrida e do triatlhon sabem que os treinos em grupo são comuns, mas uma coisa é treinar em “grupo” (com outros atletas) e outra é se sentir fazendo parte de um grupo.
Nessas primeiras semanas de trabalho foi possível perceber a evolução da relação entre os atletas da nossa equipe, e isso é indispensável, criar o vínculo, a confiança, a competição e os desafios sadios, e principalmente a troca. Uma frase já bem conhecida no mundo do esporte (e também no mundo corporativo) é: “o todo é maior do que a soma das partes”.
Eu não diria que o todo É maior, mas sim que ele PODE SER maior, e um grande desafio tanto para os psicólogos do esporte quanto para os treinadores que coordenam suas equipes é tentar fazer com que o todo efetivamente seja maior que a soma das partes, que na soma das diferenças de personalidade, estilos, desempenhos e objetivos se crie um espaço potencializador do que cada um tem de bom para que todos possam crescer enquanto atleta e enquanto grupo.
Além da questão da identidade que o grupo traz (é comum ver atletas com o nome de sua equipe gravado em suas camisetas desfilando por aí), a motivação, a disciplina, o compromisso com outras pessoas, os desafios que acontecem dentro do próprio grupo e o fato de fazer o que gosta na companhia de pessoas que gostamos faz com que a prática da atividade física seja ainda mais intensa e prazerosa, o que aumenta não apenas o desempenho das pessoas, mas principalmente o prazer em executar tal atividade.
Isso não serve apenas para os atletas profissionais ou atletas que levam a atividade física de forma mais séria do que apenas um hobby (como é o caso dessa equipe que estou trabalhando), mas também para aquelas pessoas que estão pensando em começar a caminhar, correr suas primeiras provas de 5 km, fazer suas primeiras travessias ou os primeiros biatlhons.
Lembrando que quando falamos em grupo, não falamos em 10 pessoas, muitas vezes apenas um parceiro de treino já faz uma enorme diferença. Pode parecer estranho, mas o fato de ter um grupo ou alguém para treinar com a gente faz muita diferença na condição psicológica dos atletas. É claro que isso não é uma regra, existem pessoas que optam por treinar sozinhos, e isso faz bem para elas, mas assim como Triplett verificou há 116 anos, fazer atividade física com outras pessoas deixam as coisas ainda melhores!
Forte Abraço,
Rafa Dutra
O que te motiva?
Iniciei esse mês o trabalho com a equipe Blog do Amato, que vai fazer o Ironman 2011, e uma questão que sempre gosto de fazer às pessoas que se lançam em grandes desafios é: por quê?
Por que fazer um Ironman?
O que será que leva alguém a se lançar em um desafio da magnitude de um Ironman (3,8km nadando, 180km pedalando e 42km correndo)? Ao perguntar isso a um atleta saiba que vão existir as mais diferentes respostas (e histórias): realização de um sonho, busca por superação, celebração do esporte e da vida, paixão pelos desafios, etc.
O Ironman é sim um grande desafio, muitos dizem que é um estilo de vida, e eu concordo! As pessoas que se lançam nesse desafio precisam reorganizar toda a sua vida e sua rotina para enfrentarem uma preparação intensa, e ter clareza de quais são os motivos que as levam a enfrentar isso tudo é muito importante, pois além dos motivos mais óbvios, existem muitos outros pequenos detalhes que motivam e que fazem a real diferença!
Isso não é importante apenas para quem vai participar de provas grandes, como um Ironman ou uma maratona, mas também para aquela pessoa que pensa em começar a andar, a correr, a fazer sua primeira prova de 5km, ter clareza de quais são os motivos que as levam a realizar tal desafio é indispensável para uma boa preparação psicológica.
Gosto de pensar a motivação não apenas como um estudo do que a pessoa tem nela mesma que a ajuda a enfrentar tal situação e se esforçar na realização de algo, ou o que o ambiente oferece que ajuda a pessoa a potencializar seus esforços, mas principalmente pensar a motivação pelo viés do sentido/significado que realizar determinada ação tem para cada um.
A atribuição de sentido para as coisas é algo singular, das centenas de participantes do Ironman 2011 cada um dará um sentido para aquela experiência, e se perguntar qual é o sentido/significado desse desafio é fundamental.
Muitas vezes não damos a devida atenção à questão da motivação, mesmo sabendo do papel que ela tem em tudo o que fazemos. Embora pareça algo que acontece com naturalidade, conhecer o que nos motiva e o que nos desmotiva faz toda diferença e pode ser muito útil, não apenas para enfrentar o desafio em si, mas principalmente para enfrentar a preparação que esses desafios exigem.
Estar motivado na hora da prova “é fácil” e até esperado, difícil é motivação para acordar domingo às 5h da manhã e ir pedalar 160km num clima frio e seco, ou encontrar horários no meio do dia para fazer um treino, ter menos tempo com a família ou com os amigos que não são do esporte, etc.
Sejam os candidatos ao Ironman, sejam os aspirantes a completar a primeira prova de 5km, pensar sobre o significado que isso tem em sua vida é fundamental, buscar maneiras de pensar em cada detalhe ajuda a aprender a encontrar nas situações, nas pessoas e em si mesmo, elementos motivadores que fazem toda a diferença para que a prática esportiva se torne algo agradável e prazeroso.
Você sabe o que te motiva? Pense nisso!
Forte Abraço
Rafa Dutra